Wednesday, March 26, 2014

VA Convida: Não sou a Rachel Maddow, mas “Por ti minha alma sofre”. (Eneida Sela)

Aqui venho na qualidade de voz dissonante. Ao contrário do que afirmam os lamuriosos, o romance está no ar. No ar, nos aplicativos, nas redes sociais, nas mensagens de texto – “porque eu mando mais torpedos que a Marinha americana” (saudades dessa música). O problema, leitores, não é a oferta, pois, para usar uma deselegante metáfora inspirada no capitalismo, o mercado está aquecido. O problema é a qualidade da oferta, o que também não é nenhuma surpresa de acordo com a ciência da estatística aplicada aos relacionamentos.

Meses atrás, foi divulgada na internet a descoberta de uma relíquia apelidada “cartão da paquera”. O objeto foi casualmente encontrado entre as páginas de um livro que pertencia ao homem de letras e político gaúcho Othelo Rodrigues Rosa (1889-1956). Provavelmente utilizado entre o fim do século XIX e as primeiras décadas do século XX, o tal cartão é ao mesmo tempo uma expressão de romantismo, ousadia e praticidade:



Bons tempos aqueles. Tudo muito simples e sem embaço. Dobrem o canto direito e sejam felizes. Para os mais cautelosos, a estratégia ainda permitia um auspicioso “talvez”, bastando para isso retornar o cartão intacto. Agora, para aqueles que dobrassem o canto esquerdo, vejam que indolor: um “não” discreto que poupava todas as partes de qualquer constrangimento.

Desnecessário lembrar aqui o que todos os envolvidos em paquera virtual já sabem: nesse universo, o “não” – quase nunca indolor e discreto – geralmente vem em forma de exclusão e ou bloqueio da pessoa que faz o galanteio. Mas e quando o lance é ao vivo? Como exercer a arte da negativa?

Não muito tempo atrás, estava eu bebendo uma tequila honesta num barzinho de garotas na Califórnia quando fui abordada por uma moça que sacou do bolso uma cantada original: “se eu te disser que você parece a Rachel Maddow, você me dá teu telefone?”. Maddow, a arguta e ultra-antirrepublicana comentarista política não é lá um exemplo unânime de beldade, mas por vários motivos entrou para o panteão das divas lésbicas e poderosas da América (ranking do qual Hillary Clinton também faz parte, ainda que como membro honorário. Lol. Ok.). Portanto, ser comparada a ela é algo lisonjeiro em determinados círculos, e me foi pessoalmente lisonjeiro. Aí, inclusive, é que residiu o problema, pois gostei da cantada mas não gostei da cantora.

“Se eu te disser que você parece a Rachel Maddow, você me dá teu telefone?”. Momento tensão. Musiquinha instrumental do Kill Bill na minha cabeça. Pensa rápido, pensa rápido, não fica aí calada com esse sorriso meio dolorido, sua imbecil – pressionava meu superego. Então respondi: “não, mas se você tiver o telefone dela, pode me passar”.

Saldo do episódio: provavelmente, até hoje, sou lembrada pela moça através de adjetivos e frases que, se traduzidos para o português, soariam assim: “aquele-tipinho-latino,-parecida-com-um-suricate,-que-abordei-depois-da-quinta-frozen-margarita,-e-que-me-deu-o-contra-mais-grosso-de-todos-os-tempos”.

Querem saber? Não me importo. Perdi o senso de compaixão mas não perdi a piada, que agora compartilho com vocês à guisa de conselho. Antes de sair do mundo do flerte virtual para se aventurar no real, lembrem-se: vão até a gráfica mais próxima e encomendem um milheiro do cartão da paquera. E, sobretudo, carreguem modelos pré-fabricados de “não” na ponta da língua.

Boa sorte e vida longa e tenaz às almas otimistas!


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