Wednesday, December 5, 2012

VA Convida: Ode ao ronco (F.S)

Sou desses que faz terapia. Na última sessão, meu terapeuta disse que tenho essa característica de aprofundar um simples fato ou ato cotidiano. Isso não necessariamente é ruim, desde que eu use ao meu favor, claro. Mas parece que isso é mais meu do que eu sabia. Agora eu sei. E concordo. Eu gosto disso. O que me leva a querer dissecar uma constatação ordinária.

Ontem eu ronquei. E aconteceu a percepção do ronco. A moça que dividiu comigo algumas cervejas, bom papo e minha cama, disse: você ronca. Não foi uma informação nova, mas certamente não é algo que penso todos os dias antes de dormir: vou roncar. E quando o outro diz isso sobre mim, em voz alta, ainda que seja uma brincadeira, abre um caminho para pensar no que implica essa percepção.



O ronco não é bem visto por ninguém. Nem pela própria pessoa que ronca, já que isso é sinal de que a respiração está com algum problema. Não é normal roncar, ainda que seja comum. Normal é respirar bem, sem desvio no septo, sem catarro travando todas as suas vias respiratórias. E logo de cara a moça que dividiu alguns sons, abraços e minha cama, diz: você ronca. E roncou na primeira noite. Meu ronco despertou outras percepções.

Para resolver meu ronco, naquele exato instante, eu precisaria, pelo menos, ir em uma farmácia comprar um daqueles trecos grudentos pra por no nariz. Não seria uma resolução definitiva, mas uma ajuda ou tentativa de. A real solução viria após a ida a um médico. O que isso vai acarretar a longo prazo? E se vai acarretar alguma coisa, porque eu não posso resolver isso quando eu bem entender? Não, a moça não estava me cobrando nada. Nem pedindo que eu roncasse baixinho. Ela até disse que preferia eu roncando perto dela, do que tentando não roncar do outro lado da cama. Mas foi nesse diálogo estranho que eu me dei conta que, pela primeira vez, estou mais próximo de saber quem eu sou. Não que essa percepção seja engessada, tão pouco definitiva, mas agora eu enxergo melhor de perto. Bem perto.

Eu ronco. E talvez eu queria continuar roncando nos próximos anos sem que isso seja um problema pra alguém além de mim mesmo. Porque eu sei que é um problema. É ruim dormir depois que alguém começa a roncar. Foi então que, naquele instante, eu desejei dormir sozinho. Eu e minha cama megalomaníaca e meus lençóis sujos. Pelo direito ao ronco. Mais do que isso, pelo direito à respeitar minhas manias. Ronco não é um defeito. É uma nota fora da hora que precisa ser ajustada.

Por ora vou continuar roncando. E minha cama vai ficar vazia.

F.S

1 comentários:

Thais Roland said...

Eu loto minha cama de coisas (notebook, bicho de pelúcia, garrafinha d'água, etc etc etc). To preenchendo o pouco espaço que tenho naquele colchão de solteiro na tentativa desesperada de manter o espaço suficiente só pra mim mesma.

As tralhas são o meu "ronco". :) Por hora, também continuarei roncando. ;)

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